“Arte” ou “acto”, segundo o dicionário, a caça no meu imaginário sempre foi mais fotografia que taxidermia como se a presa fosse apenas um mero acessório da pose do caçador – o verdadeiro troféu.
Quando decidi documentar o quotidiano dos caçadores portugueses veio-me instantaneamente à memoria o “cliché” do fotógrafo J.A. da Cunha Moraes, captado durante uma caça ao hipopótamo no Rio Zaire, em Angola e publicado em 1882 no álbum Africa Occidental. O grande caçador branco posava, ao centro da fotografia, com a sua espingarda, rodeado pela tribo local.
Foi com este cliché que cheguei ao Alentejo em busca dos grandes caçadores contemporâneos. Durante meses a fio, de Mora a Mértola, passando por outros concelhos alentejanos, vi veados, javalis, raposas e corças. Fotografei montarias em zonas de caça associativa e em herdades privadas, caçadores ricos e remediados. Caçadores de carne e caçadores de troféu. Fotografei quem vive da caça e quem a vê como um hobby para alguns fins de semana durante o ano. Acompanhei os diversos tempos e momentos de uma caçada, entre a pose e a presa, o vinho e o sangue, o estampido dos tiros e o murmúrio dos campos.
Logo nos primeiro dias, durante uma “enxota” ao javali nos campos de milho de Montemor-o-Novo, tive a sorte de cruzar-me com o José António, mais conhecido por Berras, dono da matilha Tempestade de Mora. A personalidade, conhecimentos e experiência deste caçador e do Nelson, o seu ajudante e amigo, levaram-me a segui-los ao longo de várias caçadas.
Tive sorte, ouvi histórias de caça, da boca de caçadores conscientes mas também da boca daqueles para quem só importa a quantidade. Encontrei uma população envelhecida, essencialmente masculina, onde os jovens são minoria. Uma espécie ameaçada pelo envelhecimento e pela perda de poder económico, em especial entre os que se dedicam à caça menor.
O resultado deste aparente reencontro, à vista desarmada, é esta série de imagens. Distante do cliché de 1882, na mira da objectiva, o fotógrafo, face a homens com espingardas na mão, não se deixou “caçar” nem pela pose nem pela presa.
António Pedrosa
Março, 2014
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