Os cigarros vão-se sucedendo nas mãos de Joaquim e Guilherme Rodrigues. Desde que o avô dos irmãos comprou o espaço há mais de um século, tudo está exactamente igual. As ferramentas são as mesmas, as paredes não sabem o que é tinta nova há quatro gerações, as teias de aranha junto às janelas mostram que a tradição é palavra sagrada entre estas quatro paredes. O rádio está sempre ligado. Foi ali que quatro gerações ouviram as notícias do país e do mundo. Os presidentes eleitos, os governos derrubados, os relatos de futebol.
A poucos quilómetros dali, em Sobradelo da Goma, Américo Fernandes calça umas luvas escuras e vai colocando uma barra de ouro nas roldanas de uma fieira. Do outro lado puxa pelo metal até o transformar em vários metros de fio num processo repetido até à espessura pretendida. “É assim que tudo começa”, conta Américo com a paixão que sempre teve pela arte.
António Cardoso é um dos artesãos mais respeitados do concelho de Gondomar. É nas traseiras de casa que vai fabricando pequenas obras de arte. Tudo é feito manualmente, com recurso às técnicas que aprendeu com o pai. Há uns anos o seu trabalho saltou para as bocas do mundo quando a actriz norte-americana Sharon Stone usou publicamente um coração de Viana em Los Angeles. Até se descobrir quem o tinha feito foi um ápice. As encomendas aumentaram, o prestígio também.
Em Agosto, todos os caminhos vão dar a Viana do Castelo para as festas em honra de Nossa Senhora da Agonia. A principal atracção são os desfiles etnográfico e do traje. Há mais de 230 anos que as mulheres carregadas de ouro saem à rua ostentando fortunas ao peito. Peças que vão passando de geração em geração, dentro de núcleos familiares tradicionais. Jóias fabricadas por artesãos que curvados sobre as suas bancas de madeira, rodeados de máquinas, pinças e maçaricos, transformam delicados fios de metal em obras de arte carregadas de simbolismo.
Apesar de o sector estar em crise, mesmo que nos últimos anos a indústria filigraneira tenha visto o fechar de portas de centenas de oficinas, a tradição ainda é o que era. Joaquim e Guilherme continuarão a fabricar peças em filigrana com a minúcia de sempre, a fumar cigarros atrás de cigarros enquanto ouvem e discutem as notícias da rádio; Américo Fernandes evoluirá ainda mais na arte que o apaixonou desde criança; António Cardoso terá sempre na parede ao seu lado a fotografia que lhe mudou a vida; Liliana Guerreiro seguirá a reinterpretação da filigrana, e Joana Vasconcelos continuará a surpreender o mundo com as suas obras. A tradição está bem e recomenda-se.
António Pedro Santos
Abril 2016
Agradecimentos
Este trabalho não teria sido possível sem a simpatia, amabilidade e pura amizade de muitas pessoas que tive o prazer de conhecer ao longo do último ano:
Ana Silva, Américo Fernandes, António Vau, Joaquim Rodrigues,
José Martins, Guilherme Rodrigues, Manuel Freitas, Liliana Guerreiro, António Cardoso, Rosa Cardoso, Laurinda Figueiras, Aida Antunes, Arménio Belo, Elsa Rodrigues, Joana Vasconcelos, Isabel Morais, António Castro, José Manuel Castro, Andreia Torres, Cristiano Araújo, Manuel Alves, Leonardo Araújo, Rosa Antunes, Aurora Rocha, Catarina Viana, Miguel Matos, Manuel Vilar e Sónia Cunha.
A todas elas e a quem de uma forma anónima participou neste projecto, o meu mais sincero obrigado pelo empenho e dedicação.
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